O governo de Goiás, alegando atender uma solicitação do Ministério da Justiça do governo Federal, está promovendo uma investida contra famílias acampadas e assentadas da reforma agrária e movimentos sociais do campo por meio da Polícia Militar (PM-GO). Trata-se de uma ação inconstitucional, que instaura um processo de vigilância e de possíveis perseguições, na medida em que o governador, enquanto chefe maior das forças de segurança pública goianas, determina que o setor de inteligência da polícia estadual levante informações sobre a localização geográfica e a composição dessas comunidades, suas lideranças e suas vinculações políticas, sem qualquer justificativa concreta.
Forças policiais goianas já estiveram em diversos sindicatos da agricultura familiar, assentamentos, acampamentos e também na sede da secretaria da Comissão Pastoral da Terra, pedindo informações para localizar e identificar lideranças camponesas atuantes no estado, em ações inquisitórias e intimidatórias, que contradizem o direito à liberdade de organização política da sociedade garantida no Artigo 5º da Constituição Federal.
Outro agravante é a forma de atuação dos agentes envolvidos nas ações, que não seguem protocolos do serviço público. Os policiais não apresentam nem identificação nem outros documentos, não utilizam meios de comunicação oficiais (telefones ou e-mails) e apresentam planilhas e documentos apócrifos, desvinculados de qualquer sistema público de informação.
Ações dessa natureza foram vividas nos períodos de ditadura, em que o autoritarismo e a violência eram aplicados contra os opositores do regime. Neste contexto, consideramos essa ação do governo goiano uma medida autoritária e alarmante, que só se compara à perseguição e à violência contra comunidades camponesas apoiada pela União Democrática Ruralista (UDR) que ocorreu, principalmente, nas décadas de 1980 e 1990, resultando no assassinato de padres, religiosas, lideranças sindicais e de comunidades camponesas que apoiavam e reivindicavam o cumprimento da legislação quanto a realização da reforma agrária em latifúndios improdutivos, que não cumpriam (e não cumprem) sua função social.
Nos perguntamos: Por que servidores públicos do governo de Goiás estão agindo na clandestinidade? Seria um ato de intimidação? Estamos diante de uma tratativa que pretende cercear a ação dos movimentos sociais, de sindicatos, de grupos religiosos, de parlamentares e demais membros da classe política, eleitos pela população, que defendem a dignidade humana e a justiça social, especialmente em favor dos mais marginalizados e desfavorecidos?
Não podemos aceitar qualquer cerceamento ao direito constitucional de livre associação da população brasileira em cooperativas, sindicatos e movimentos sociais, de acordo com sua necessidade e identificação social, para reivindicar direitos previstos em lei. Ressaltamos que a Reforma Agrária é lei no Brasil e tem como objetivo garantir que a terra cumpra sua função social, como estabelecido desde 1964, pelo Estatuto da Terra. O artigo 184 da Constituição Federal define como dever do estado a desapropriação de terras que não estão cumprindo sua função social para fins de interesse social.
Diante de tudo isso, a Comissão Pastoral da Terra, depois de acionar instituições de defesa do cidadão e da democracia, organizou uma atividade que contou com a presença do arcebispo de Goiânia Dom Washington Cruz, representantes do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual de Goiás, Defensoria Pública do Estado de Goiás, Conselho Nacional de Direitos Humanos, Movimentos Sociais, Sindicatos, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, deputada Adriana Accorsi, Vereadora Aava Santiago (presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de Goiânia), Vereador Mauro Rubem, representantes de partidos e demais entidades de defesa dos direitos humanos, para discutir e denunciar publicamente esta situação, que afronta a democracia, fere direitos e garantias constitucionais, e para que sejam tomadas todas as medidas cabíveis, garantindo a liberdade e interrompendo a ação inconstitucional e intimidatória que está sendo perpetrada pelo governo de Goiás, a pedido do Ministério da Justiça, que representa um golpe contra o Estado Democrático de Direito.
Na oportunidade, o Ministério Público Federal tornou pública a resposta da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás, por meio de sua superintendente de inteligência. No documento, as autoridades estaduais afirmam que estão agindo para atender a uma demanda do Ministério da Justiça do Governo Federal, que teria solicitado à polícia goiana informações sobre movimentos sociais do campo atuantes no estado. Este fato nos alerta para a possibilidade de que as ações de vigilância contra comunidades e movimentos camponeses estejam sendo realizadas também em outros estados, talvez em todo o Brasil.
Primamos pela defesa da democracia e dos direitos individuais e coletivos, independentemente de qualquer outra coisa. Ao governador de Goiás e ao governo federal, solicitamos as explicações devidas à população sobre a forma e a finalidade de sua ações. Denunciamos a situação vivida em Goiás e acionamos as demais instâncias de Estado, no sentido de colocar fim à situação de vigilância e monitoramento de movimentos sociais, sindicatos, associações, cooperativas, grupos religiosos, parlamentares e grupos políticos que defendem apenas o cumprimento da lei, para que o povo tenha terra e vida digna, produzindo alimentos sem serem perseguidos. Que o Estado Democrático de Direito se faça valer.
Assinam:
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH); Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABDJ-GO); Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO); Deputada Estadual Adriana Accorsi; Vereadora Aava Santiago (Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de Goiânia); Vereador Mauro Rubem (presidente da Comissão de Saúde e Assistência Social da Câmara Municipal de Goiânia); Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomas Balduíno; Grupo Sementes de Proteção; Instituto Brasil Central (IBRACE); Grupo de Policiais antifascismo (POLICIAIS ANTIFA); Partido dos Trabalhadores do estado de Goiás (PT-GO); Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público no Estado de Goiás (SINTSEP-GO); Sindicato dos Trabalhadores no Sistema Único de Saúde em Goiás (SINDSAÚDE-GO); Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no município de Caiapônia (SINTRAF); Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD); Jornalistas Livres; Comissão Pastoral da Terra (CPT); Confederação Nacional dos trabalhadores na Agricultura (CONTAG); Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (CONTRAF); Movimento Camponês Popular (MCP); Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do estado de Goiás (FETRAF-GO); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-GO); Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar do estado de Goiás (FETAEG).
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